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A urinálise, ou exame de rotina de urina, é o teste diagnóstico dos mais frequentes na execução dos exames cotidianos no Laboratório Clínico. A introdução da automação e de novas tecnologias melhorou a acurácia e a produtividade dos processos laboratoriais. Entretanto, a maior produtividade, atrelada à expansão de postos de coleta, que aumentaram a distância entre o paciente e o laboratório, criou vários desafios para a fase pré-analítica de exames laboratoriais. Como as amostras de urina são colhidas pelo próprio paciente, a urinálise está altamente susceptível a erros pré-analíticos. Considerando que cerca de 30 a 75% de todos os erros em um laboratório ocorrem nos processos pré-analíticos, faz-se necessário implementar medidas que assegurem a qualidade dos exames realizados. Além disso, a busca pela qualidade carreia várias oportunidades para aumento de eficiência e diminuição de custos para o laboratório. Conhecendo a natureza do líquido biológico de análise, a urina pode ser conceituada em termos bioquímicos como um ultrafiltrado modificado do plasma, sendo basicamente uma solução heterogênea composta por água, sais (sódio e cloreto), ureia e as urobilinas corantes que dão cor amarela à urina. Conservar este material biológico produzido e contido no sistema urinário em boa qualidade de análise, abre a enorme possibilidade do diagnóstico correto das inúmeras patologias do sistema urinário e também como exame auxiliar importante no diagnóstico de importantes patologias metabólicas como o Diabetes Mellitus; hepatobiliares e hemolíticas. Portanto abordaremos neste folheto informativo as maneiras corretas de se evitar erros pré-analíticos que possam comprometer o sucesso deste importante exame no Laboratório Clínico.
INTERFERÊNCIAS PRÉ-ANALÍTICAS DA URINÁLISE
A fase pré-analítica da urinálise pode ser dividida em 6 subfases:
1. Pedido médico;
2. Coleta da amostra de urina;
3. Transporte da amostra de urina para o laboratório;
4. Recebimento da amostra de urina no laboratório;
5. Transporte da amostra de urina para o setor analítico;
6. Processamento da amostra de urina.
A seguir, serão detalhadas as principais interferências das etapas de coleta, transporte e processamento da amostra de urina.
Coleta da amostra de urina
A variabilidade em que as amostras de urina são colhidas – onde, como e por quem – resulta em uma grande possibilidade de erros pré-analíticos. Se a coleta da amostra de urina for feita por um paciente adulto que não necessita de assistência, o mesmo deve receber instruções adequadas sobre o procedimento. As orientações fornecidas ao paciente devem abordar, além de aspectos relacionados à coleta, os possíveis interferentes biológicos do exame de urina (p.ex.: dieta, uso de medicamentos), os quais podem impactar em vários parâmetros como cor, densidade e pH da amostra. Caso a amostra de urina seja colhida por um profissional de saúde, este deve estar bem treinado e possuir todo o material necessário para a coleta. No caso de bebês e crianças pequenas, uma bolsa coletora deve ser aderida à pele ao redor da região uretral. Após a coleta, a urina deve ser transferida diretamente para um frasco coletor. O frasco utilizado para a coleta de urina deve: proporcionar uma coleta simples, garantir o transporte adequado da amostra, ser livre de interferentes e ser feito de um material não absorvente. Em seguida, o frasco deve ser corretamente identificado com o nome do paciente, data e horário da coleta.
O segundo jato da primeira urina da manhã, ou seja, o jato médio, é o tipo de amostra mais utilizada na rotina da urinálise. O desprezar do primeiro jato permite lavar o canal da uretra, evitando a contaminação da urina por bactérias do meio ambiente, o que propicia a formação de amônia a partir da ureia, comprometendo a qualidade do exame. É também essencial uma correta higienização da área genital externa, de preferência com sabão neutro para preservar as análises químicas e evitar contaminação microbiológica da urina. Apesar de 12 mL ser o volume de amostra recomentado para pacientes adultos, um volume mínimo de 5 mL de urina é aceitável para a análise do sedimento.
Transporte da amostra de urina
O transporte inadequado da amostra de urina pode impactar diretamente na sua qualidade. Idealmente, amostras sem conservantes e não refrigeradas devem ser processadas em até 2 horas após a coleta para evitar a lise de hemácias e piócitos e a intensa multiplicação bacteriana. Amostras refrigeradas preservam por mais tempo (até 4 horas) as hemácias e piócitos, porém favorecem a precipitação de uratos e fosfatos. É importante salientar que as amostras de urina nunca devem ser congeladas. Algumas substâncias químicas são úteis para conservação de amostras de urina destinadas ao exame de cultura, entretanto elas interferem em várias reações químicas da tira reagente, portanto não são recomendados para a urinálise. A estabilidade das partículas do sedimento e dos parâmetros da tira reagente, de acordo com as condições de armazenamento da amostra, está descrita na Tabela 1.
A lise de células é mais pronunciada quando a densidade urinária é baixa, comum em crianças mais novas. Este fenômeno também é desencadeado com o aumento do pH, que ocorre devido à demora do processamento da urina, principalmente quando há infecção por bactérias produtoras de urease (p.ex. Proteus sp).
Processamento da amostra de urina
É recomendado que a amostra de urina contida no frasco primário seja aliquotada em frascos secundários para a realização de análises químicas, microbiológicas e morfológicas, a fim de evitar o risco de contaminação. Variações na velocidade e no tempo de centrifugação podem interferir na análise do sedimento, uma vez que este procedimento pode lisar 20 a 80% das hemácias e piócitos. A recomendação é que se utilize baixa velocidade (1500 a 2000 rpm), com um tempo mais curto de centrifugação (5 a 10 min) para preservar bem os elementos sólidos de interesse (cilindros, células e cristais). A remoção do sobrenadante após a centrifugação da urina também representa uma fonte de erro pré-analítico. Sugere-se que a proporção de 12:1 (12 mL de urina: 1 mL de sedimento) seja seguida. Após desprezar o sobrenadante, o sedimento deve ser resuspendido gentilmente sem movimentos bruscos, preservando assim a integridade dos elementos de interesse na parte mais importante e definitiva do exame, a análise microscópica do sedimento urinário humano. A análise dos elementos urinários sem a etapa de centrifugação evita esta fonte de erro, porém diminui a sensibilidade analítica.
CONCLUSÕES
A urinálise tem um papel fundamental no diagnóstico de doenças renais e urológicas. Sabe-se que os processos pré-analíticos impactam diretamente na qualidade dos exames laboratoriais. O fato do próprio paciente colher a amostra de urina aumenta ainda mais possibilidade de erros pré-analíticos. Este estudo resume os principais erros que ocorrem nesta fase e descreve as recomendações para evitá-los.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- Stankovic, A.K. and E. DiLauri, Quality improvements in the preanalytical phase: focus on urine specimen workflow. Clin Lab Med, 2008. 28(2): p. 339-50, viii.